Opinião

Não passarás!

Há coisas que se dizem para provocar. Outras, para testar os limites. E há aquelas que, mesmo embrulhadas em supostas metáforas, denunciam exatamente o que se quer: mandar calar, governar com autoritarismo, refazer o País à imagem de quem o quer dominar.

Falar em “três Salazares” não é apenas falta de noção. É falta de memória. E, pior do que isso, é desrespeito. Pelos que sofreram e pelos que resistiram para que hoje todos possam falar — até os que dizem disparates.

Falar em um Salazar que seja é desrespeitar a história e aqueles que a viveram por dentro, sem escolha. Os que foram obrigados a ir para a guerra. Os que morreram em nome de uma pátria que não os ouvia.

Invocar “três Salazares” como solução para o país atual é cuspir na memória também dos antigos combatentes. Dos que perderam a juventude no mato, muitos sem perceberem porquê. Dos que ainda hoje carregam o peso de uma guerra que o regime dizia ser por “orgulho nacional”, mas que foi, na verdade, uma teimosia fascista sem lógica nem dignidade.

Há quem brinque com a história porque nunca a viveu. Porque nunca foi preso por pensar diferente. Porque nunca precisou de fugir. O Tarrafal não foi uma piada. E essas referências revelam muito mais sobre quem fala do que sobre o país atual.

Caro ouvinte, é nestas alturas que a democracia exige mais de nós: que não normalizemos o que é perigoso. Que não relativizemos o que é grave. E que saibamos dizer, com firmeza: não passarás!

 

(Crónica escrita para Rádio)